Para ROUSSEAU (1999), a liberdade é inalienável e, por tal afirmação, a proposta
essencial é a de “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força
comum a pessoa e os bens de cada associado e, através de cada um, mesmo se unindo a todos,
só obedece a si mesmo e continue tão livre quanto antes”. Essa afirmação exalta que, se os
indivíduos se submetem à autoridade única da lei, não estariam se submetendo,
automaticamente, a nenhuma pessoa. No entanto, a liberdade de Rousseau está submetida à
vontade geral do povo, que não representaria a mera soma das vontades particulares. Entende-se por vontade geral do povo a ação de defesa dos interesses do todo, acima dos interesses
particulares de pessoas ou grupos sociais atuantes e representativos nas relações da sociedade.
Assim, as leis deveriam atender aos interesses da vontade geral, tornando os indivíduos
submetidos à obediência sempre da lei e nunca de outros indivíduos. O limite da liberdade de
Rousseau seria o de não dar a devida importância para o fato de que as leis, quando
elaboradas, estão carregadas de interesses de grupos particulares. Tal possibilidade de não
neutralidade quanto à ideia básica de Rousseau, o da criação das leis para atender à vontade
geral do povo, somente se concretiza, quando se percebe que as leis, na sua maioria, são
elaboradas com base em necessidades motivadas por situações muito mais ligadas a atitudes
paliativas do que preventivas. Dessa forma, quando, na necessidade de elaborar soluções
rápidas para a coesão social, são promulgadas leis que necessariamente não foram alvos de
discussões que esclarecem os reais interesses da vontade geral. Assim, por meio de atitudes
imediatistas e, muitas vezes, precipitadas tomam-se decisões de caráter ideológico e parcial.
Portanto, a neutralidade da lei não passa de disfarce para esconder os reais interesses que
motivaram sua criação e promulgação. A legitimação passa a ganhar a conotação legal
necessária para sua aceitação e reprodução social, desse modo, o que se vê é uma
racionalidade formal a trabalho da manutenção das elites e das relações de dominação entre os
indivíduos. A liberdade almejada pelo autor cai no erro de despersonalizar as relações de
dominação e submissão entre os indivíduos, tornando-se mais facilmente internalizada e
aceita pela maioria.
“A autonomia seria o domínio do consciente sobre o inconsciente. Sem prejuízo da
nova dimensão sobre profundidade revelada por Freud, este é o programa da reflexão
filosófica sobre o indivíduo, há vinte e cinco séculos, o pressuposto e ao mesmo tempo o
resultado da ética tal como a viram Platão ou os estóicos, Spinoza ou Kant” (CASTORIADIS,
1995, p. 123). No sentido estrito da palavra, “autonomia” significa liberdade condicionada.
No sentido amplo, aqui apresentado sem aspas, é a ação guiada pela reflexão crítica de forma
coletiva, que procura a emancipação por meio da práxis. A autonomia é tema relacionado
diretamente com a ética. Apesar da conotação individual que o conceito de autonomia
adquiriu na atualidade (muito em função de uma sociedade que clama por “liberdade” em
todas as esferas da vida), é no plano coletivo que ela se legitima. Mesmo quando os processos
inconscientes individuais determinam as relações de autonomia da sociedade, não se pode
negar a necessidade de um grupo ou coletividade que sirva como objeto para as realizações
dos desejos. Assim, a autonomia só se confirma pela presença do outro, entendendo-se este
como o indivíduo isoladamente, ou no seu coletivo. Ressalte-se que o outro não precisa,
necessariamente, estar presente. No ambiente de trabalho, a perda da autonomia individual se
dá muito pela maneira como se organiza o processo de trabalho. A intervenção dos indivíduos
na divisão do trabalho, na atualidade representada normalmente pela figura do engenheiro,
ocorre sem que os operadores participem da divisão do seu trabalho. A perda da autonomia,
dessa forma, ocorre pela imposição de um sistema de trabalho, que desconsidera as
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particularidades daqueles que o desempenharão. Questões como ritmo, carga horária,
condições ambientais do trabalho não levam em conta a particularidade do indivíduo. Em
síntese, o trabalho que um determinado indivíduo desempenha é criado e modificado por
outro. A autonomia de adequar as condições de trabalho para cada situação específica não se
confirma como prática. Essa é a corrente no atual sistema de produção, porque o indivíduo é
um ser instrumentalizado (reificado, para parafrasear Lukács), que tem como função
proporcionar o melhor custo-benefício para as organizações. A relação de distanciamento de
quem elabora o sistema de produção e de quem opera, faz com que aquele que elabora não
veja, nem sinta, aquele que opera como um ser humano dotado de limitações.
ICARO RAFAEL MATTA PEREIRA
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