O
poeta Caetano Veloso, certa vez, disse que, de perto, ninguém é normal. Para
isso, ele se valeu do que é entendido como a normalidade dentro de nossa
sociedade. Considerando que tanto esse conceito quanto o da anormalidade são
previamente estabelecidos, fluidos de uma cultura para outra, é preciso
refletir até que ponto eles afetam a personalidade das pessoas. Se pensar e
agir de maneira diferente do habitual pode ser visto como estranho,
descontextualizado e, até mesmo, anormal, isso é capaz de podar as liberdades e
desejos individuais, e uma discussão profunda sobre o assunto se faz
necessária.
Em
primeiro lugar, é possível afirmar que, como se vive em uma sociedade de massa,
as pessoas tendem a ser muito parecidas. Com a difusão, por parte da mídia, de
dogmas de comportamento, a tendência geral é a da homogeneização. Por isso, o
que é diferente destoa na multidão, e é visto como anormal ou inadequado.
Porém, em um contexto de globalização, esses mesmos meios de comunicação
divulgam com velocidade e intensidade os mais diferentes hábitos e costumes.
Considerando que o que é considerado normal pode mudar de uma cultura para
outra, esse conceito é maximizado, ampliando a capacidade de aceitação do, até
então, diferente.
É
necessário, ainda, apontar a diferença entre normal e comum. Quando algo se
torna corriqueiro, as pessoas tendem a inserir o fato no conceito de
normalidade, embora não o seja. No Brasil, por exemplo, a violência é tão
presente na vida dos cidadãos das grandes cidades, que já é encarada como parte
do dia a dia do cidadão. É perigoso, entretanto, cair no comodismo e aceitar
atos violentos como normais, pelo simples fato de serem tão frequentes. Eles
são, sim, comuns, mas não pode ser visto como algo diferente de anormal um
cidadão caminhar com medo pelas ruas, evitar certos lugares em determinados
horários, ou aceitar que, possivelmente, ele será assaltado na próxima esquina.
O mesmo se repete com feminicídio, homofobia, racismo e preconceito em nosso
pais.
Por
fim, é preciso refletir como o que é socialmente aceito como normal pode fazer
mal. Em um mundo altamente competitivo, no qual o mercado de trabalho é cada
vez mais exigente, já é considerado natural que o indivíduo procure estudar,
entrar em uma universidade, falar mais de dois idiomas, para poder ter uma
chance de crescer na vida. Embora possa trazer bons frutos, esse processo de
racionalização da vida dentro do que é considerado normal pode levar ao
atrofiamento da abstração e da capacidade criativa. É quase impossível fugir a
essa regra sem ser visto como anormal pela sociedade, e isso pode levar à
infelicidade e depressão crônicas.
Portanto,
para vivermos harmonicamente em sociedade, é preciso estabelecer que existe uma
linha tênue que separa o subjetivo conceito entre normal e anormal.
Considerando uma frase do filme: “O Coringa, 2019 - a loucura é definida sempre
por aqueles que não se acham loucos”, essa visão pode mudar de uma pessoa para
outra sem que, necessariamente, uma delas esteja errada. Precisamos praticar o
exercício da aceitação de diferentes hábitos, culturas e costumes, nos fazendo
valer na incrível capacidade que os meios de comunicação em massa têm para nos
proporcionar isso, pelo rápido acesso a um mundo de conhecimento. Se todos
fossem racionalmente normais, o viver perderia toda a leveza. De perto, ninguém
é normal, e uma pequena dose de anormalidade é o que nos permite continuar
sobrevivendo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário