por Júlia Ennes, 99193
" A esposa de Cézar não basta ser honesta, tem que parecer honesta"
Em maio de 2019, a rede de streaming Netflix lançou em seu catálogo a minissérie Olhos Que Condenam (ou When They See Us, no original). Baseada em fatos reais, a produção dirigida por Ava DuVernay, reconta um dos mais polêmicos casos de injustiça da história dos Estados Unidos que, apesar de se tratar do passado - do final da década de 80 - ainda tem muito a ver com a realidade do presente.
Korey Wise, Kevin Richardson, Raymond Santana, Antron McCray e Yusef Salaam eram alguns entre os jovens que se divertiam no Central Park na noite de 19 de abril de 1989. Na mesma noite, mas a alguns quilômetros de distância, Trisha Meili, uma mulher de 28 anos, corria pelo parque quando foi estuprada, violentada e abandonada em um estado crítico que a deixou em coma por 12 dias e com perda de memória. Apesar da distância entre os meninos e a vítima, a inconsistência das acusações e a falta de qualquer prova que os ligassem ao crime, os Cinco do Central Park - como ficaram conhecidos pela população - foram acusados, obrigados a dar testemunhos falsos e chegaram a cumprir penas entre sete e quinze anos, até o verdadeiro culpado se entregar em 2002.
A série faz ainda uso de imagens reais do presidente Donald Trump que - na época, já milionário - atiçou a opinião pública comprando páginas inteiras de jornais e aparições na televisão para pedir pena de morte aos meninos então suspeitos.
Cursinho Popular Pré-Coluni (CPPC), um projeto de extensão ligado ao Departamento de Educação da UFV, que funciona no prédio do Coluni e tem como intuito de democratizar o acesso ao colégio, através de um maior índice de aprovação de estudantes das escolas da rede pública de Viçosa no processo seletivo anual.
Recentemente, um dos alunos do projeto foi vítima de um “mal entendido”. Em um dia letivo, ao chegar no colégio para assistir às aulas, Hugo deixou sua bicicleta no bicicletário - aquele lá fora que ninguém do Coluni usa justamente para evitar roubos. Sem saber que o bicicletário não é muito utilizado e com medo de que alguém roubasse, removeu o selim da bicicleta e o guardou em sua mochila. Foi então que alguém, ao ver a cena, concluiu que tratava-se de um roubo e sem pensar duas vezes denunciou para a vigilância da UFV o suposto crime, de forma que em pouco tempo vigilantes foram checar a veracidade da informação.
Os agentes não satisfeitos em telefonar para a portaria a fim de certificar de que não havia acontecido um roubo, foram até as instalações do colégio e perguntaram, pessoalmente, ao porteiro e aos funcionários da secretaria presentes na hora do ocorrido, obtendo, mais uma vez, a resposta negativa - ninguém havia reclamado de um roubo. Então, os vigilantes foram atrás do proprietário da bicicleta sem selim.
Quando encontraram Hugo, interromperam a aula, o tirando de sala (fato que rendeu a indignação de certa professora do corpo docente do colégio e uma reclamação com o capitão responsável pela vigilância) e de repente o dono da bicicleta pareceu virar suspeito do furto - sim! da própria bicicleta! Os vigilantes submeteram o aluno à diversas perguntas, como onde estava os seus documentos?, por que removeu o selim? e se ele possuía a nota fiscal da bicicleta.
Apesar do tempo, espaço e proporções serem diferentes, o caso do menino do CPPC e o dos Cinco do Central Park têm em comum um fator crucial para os seus pré-julgamentos: a cor de suas pele. Não importa o quanto esses meninos fossem honestos, aos olhos daqueles que os condenavam, eles não eram.
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