Escrevi um conto hoje enquanto comprava um podrão pra comer.
Acho que ele é arte. Minha intenção de que fosse arte não está presente, ele expressa
o espírito e transcende a racionalidade, por que muitas das expressões que eu
insisto em usar são figuras de linguagem tão estranhas e próprias (e até
originais e irreprodutiveis) que não fazem sentido para os que me leem. Não que
eu me esforce muito para ser compreendida.
Vamos ao mini-conto.
Desceu a escadaria de madeira apressado, fazendo os pés
ressoarem firmes pela igreja. Sabia que tinha pouco tempo e que havia grande
ansiedade para que ele fizesse algo que a acalmasse.
Ela estava sentada no sofá da sala de espera e chorava num
choro firme e de tal forma contido que a fazia parecer ainda mais desesperada.
O rosto abaixado, o jeans ensopado. O choro era constante,
mas alto. Qualquer um que a visse saberia que a mágoa que carregava, já
carregava a muito tempo.
- Clara...
Ele aproximou-se devagar, com o cuidado de quem teme
assustar um pássaro. Ela continuava focada em seu próprio choro e não levantou
o rosto.
-Clara, eu...
- Eu não sei por que você está aqui. Foi a resposta dela que
atravessou a sala como uma faca, botando tudo a ruir-se. Desabou em choro
novamente. A mágoa era grande, mas ela estava aliviado por ele estar ali.
Na verdade, ele também não sabia por que estava alí. Havia
sido chamado as pressas por amigos, quando estes não sabiam mais lidar com
aquela súbita crise de Clara. Ele não era um candidato óbvio à consola-la.
Talvez alguns dali não soubessem como ele a havia ferido, mas era ilógico que
estes que sabiam o chamassem. Estava honrado, mas confuso.
De qualquer maneira, ninguém sabia bem como ajudar.
Clara chorava de certa forma por tudo. Chorava pelo pai que
nunca conhecera, pelo amigo morto um ano antes, pelo conhecido de sua amiga que
se matara aquela tarde, pelos males do mundo, pela mágoa com ele. Sim,
principalmente pela mágoa com ele. Toda a dor que a havia aprisionado por tanto
tempo vinha agora a tona - da forma mais visível possível. Se sentia fraca e
firme ao mesmo tempo. Como num martírio em que se morre- mas sabendo crente o
motivo.
De súbito olhou pra ele, com olhos que pretendiam ódio, mas
que apenas revelavam fragilidade -Eu confiei em você. E olhando pra baixo
continuou -Meu Deus, eu confiei em você.
Como pode ter feito isso? Falava mais para si mesma que pra ele que a
encarava sem saber bem o que dizer, mas querendo dizer um mundo- sem achar
palavras.
-Olha, eu ja te pedi perdão.
- Perdão?!
- Disse que continuariamos amigos.
- Impossível.
Contemplava a própria mão, pensando no que acabara de dizer.
"É impossível que sejamos amigos. É impossível que eu tenha qualquer parte
na sua vida."
Ele então decidiu que não havia jeito, e que não tinha
motivos para estar alí. Que se dane, se encontrasse os outros diria que era
impossível consola-la ou fazer qualquer outra coisa. Também não gostaria. Não
queria dispor de novo seu coração. Se sentia humilhado por aqueles olhos, que
jogavam na cara que estava errado e não queria admitir.
- Tchau, Clara. Se precisar de mim, me fale. Mas não vou
discutir isso agora.
Sua resposta era branda, mas estava profundamente magoado.
Não queria ter feito aquilo. Não queria ter começado a história.
Mais decepção se apoderou dela. Por que ele não podia lutar?
Lutaria por outra? Loucura. Não importa. Deixe pra lá, criança. Não é problema
seu. Vá, então. Mas não podia dizer isso em voz alta. Talvez ele fosse mesmo- e
nunca voltasse.
Ele saiu em silêncio, irritado. Na capela, o louvor
continuava firme. Talvez fosse capaz de fingir que estava tudo bem consigo.
Kedma Julia 99174
Kedma Julia 99174
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