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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

E aí, meu chapa, esse conto que escrevi é arte?


Escrevi um conto hoje enquanto comprava um podrão pra comer. Acho que ele é arte. Minha intenção de que fosse arte não está presente, ele expressa o espírito e transcende a racionalidade, por que muitas das expressões que eu insisto em usar são figuras de linguagem tão estranhas e próprias (e até originais e irreprodutiveis) que não fazem sentido para os que me leem. Não que eu me esforce muito para ser compreendida.
Vamos ao mini-conto.

Desceu a escadaria de madeira apressado, fazendo os pés ressoarem firmes pela igreja. Sabia que tinha pouco tempo e que havia grande ansiedade para que ele fizesse algo que a acalmasse.
Ela estava sentada no sofá da sala de espera e chorava num choro firme e de tal forma contido que a fazia parecer ainda mais desesperada.
O rosto abaixado, o jeans ensopado. O choro era constante, mas alto. Qualquer um que a visse saberia que a mágoa que carregava, já carregava a muito tempo.
- Clara...
Ele aproximou-se devagar, com o cuidado de quem teme assustar um pássaro. Ela continuava focada em seu próprio choro e não levantou o rosto.
-Clara, eu...
- Eu não sei por que você está aqui. Foi a resposta dela que atravessou a sala como uma faca, botando tudo a ruir-se. Desabou em choro novamente. A mágoa era grande, mas ela estava aliviado por ele estar ali.
Na verdade, ele também não sabia por que estava alí. Havia sido chamado as pressas por amigos, quando estes não sabiam mais lidar com aquela súbita crise de Clara. Ele não era um candidato óbvio à consola-la. Talvez alguns dali não soubessem como ele a havia ferido, mas era ilógico que estes que sabiam o chamassem. Estava honrado, mas confuso.
De qualquer maneira, ninguém sabia bem como ajudar.
Clara chorava de certa forma por tudo. Chorava pelo pai que nunca conhecera, pelo amigo morto um ano antes, pelo conhecido de sua amiga que se matara aquela tarde, pelos males do mundo, pela mágoa com ele. Sim, principalmente pela mágoa com ele. Toda a dor que a havia aprisionado por tanto tempo vinha agora a tona - da forma mais visível possível. Se sentia fraca e firme ao mesmo tempo. Como num martírio em que se morre- mas sabendo crente o motivo.
De súbito olhou pra ele, com olhos que pretendiam ódio, mas que apenas revelavam fragilidade -Eu confiei em você. E olhando pra baixo continuou -Meu Deus, eu confiei em você.  Como pode ter feito isso? Falava mais para si mesma que pra ele que a encarava sem saber bem o que dizer, mas querendo dizer um mundo- sem achar palavras.
-Olha, eu ja te pedi perdão.
- Perdão?!
- Disse que continuariamos amigos.
- Impossível.
Contemplava a própria mão, pensando no que acabara de dizer. "É impossível que sejamos amigos. É impossível que eu tenha qualquer parte na sua vida."
Ele então decidiu que não havia jeito, e que não tinha motivos para estar alí. Que se dane, se encontrasse os outros diria que era impossível consola-la ou fazer qualquer outra coisa. Também não gostaria. Não queria dispor de novo seu coração. Se sentia humilhado por aqueles olhos, que jogavam na cara que estava errado e não queria admitir.
- Tchau, Clara. Se precisar de mim, me fale. Mas não vou discutir isso agora.
Sua resposta era branda, mas estava profundamente magoado. Não queria ter feito aquilo. Não queria ter começado a história.
Mais decepção se apoderou dela. Por que ele não podia lutar? Lutaria por outra? Loucura. Não importa. Deixe pra lá, criança. Não é problema seu. Vá, então. Mas não podia dizer isso em voz alta. Talvez ele fosse mesmo- e nunca voltasse.
Ele saiu em silêncio, irritado. Na capela, o louvor continuava firme. Talvez fosse capaz de fingir que estava tudo bem consigo.

Kedma Julia 99174 

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