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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Orange Is The New Black | O sistema judiciário falhou com Suzanne Warren

por Júlia Ennes. Matrícula: 99193

[contém spoilers Orange Is The New Black]

Orange is the New Black, desde sua estreia em 2013, foi sucesso absoluto entre as séries originais da rede de streaming Netflix, principalmente por sua representatividade feminina nos presídios. Tendo como ponto de partida a história de Piper, baseada em fatos reais, a criadora da série, Jenji Kohan, afirma que usou a personagem como seu “cavalo de tróia”, para entrar em um universo muito mais amplo e polêmico. 
"Você não consegue entrar em um canal e vender um programa de contos realmente fascinantes de mulheres negras, latinas, idosas e criminosas. Mas se você pegar essa garota branca, esse tipo de peixe fora d´água e a seguir, então você pode expandir seu mundo e contar todas essas outras histórias", disse Jenji, em 2013, à rádio pública estadunidense NPR.
O fato é que a trama realmente consegue explorar uma pluralidade imensa de histórias - e não é a da personagem principal que chama mais atenção. Uma das mais queridas pelo público é Suzanne Warren (ou Crazy Eyes, como é conhecida no ínicio da série), que com sua inocência quase infantil e seus surtos e ataques nervosos, consegue emocionar o público e pintar um retrato inquietante a respeito das doenças mentais na prisão.
Boa parte da construção da série é feita em cima de flashbacks, explorando momentos do passado das detentas. É justamente através de um que, no décimo primeiro episódio da 4ª temporada, descobrimos o motivo de Suzanne estar presa. Em um flashback temos sua vida antes da prisão de Litchfield. Suzanne mora com a irmã adotiva, é recepcionista em uma loja e tem grande afinidade com os clientes - em particular, uma mãe e seus três filhos. Sua irmã, então, decide ir passar o final de semana com o namorado e deixa Suzanne sozinha pela primeira vez desde que elas começaram a viver juntas.
Suzanne fica ansiosa no começo, mas decide tirar o melhor proveito do tempo livre sozinha. É então que decide ir ao parque e acaba encontrando um dos filhos da família que ela conhece de seu trabalho, Dylan. Com a personalidade infantil e a afeição de Suzanne pelo garoto, tudo parece muito inocente quando eles vão juntos ao apartamento dela comer lanches e jogar videogames. E realmente foi. A situação só muda quando Dylan decide que já está tarde e quer ir para casa. Suzanne fica muito chateada e proíbe a saída do menino, que, em pânico, tenta fugir pela escada de incêndio através da janela. Igualmente em pânico e em meio a um surto, Suzanne tenta impedir o garoto puxando-o para dentro do apartamento. Em meio a luta, o menino cai da escada de incêndio e, embora o público não veja um corpo, é assumido que Dylan morreu, e seu sequestro e morte são a razões pela qual Suzanne acaba na prisão.
Suzanne Warren - sétima temporada de Orange Is The New Black
Esse ano, foi lançada a sétima e última temporada de OITNB. Dentre todas as questões levantadas pela série, surge agora um novo ponto: “todas aquelas mulheres merecem estar ali?”. Ao contar para Doggett que sua amiga, Taystee, foi condenada por um crime que não cometeu, Suzanne soa incrédula com a possibilidade do sistema judiciário ter cometido um erro. Ao receber a resposta de Dogget de que injustiças como essas acontecem o tempo inteiro, a detenta muda sua postura e começa a questionar todo o sistema que ela vive.
“Você é louca… cérebro especial… sei lá… mas você realmente acha que merece estar aqui?”. É com esse questionamento filosófico que, na sua simplicidade, Dogget muda a percepção de Suzanne sobre o mundo e, principalmente, sobre sua prisão. É nesse diálogo que pela primeira vez, desde sua sentença, ela realmente foi capaz de ver a desigualdade de sua situação - até então ela só aceitava que tinha feito algo ruim e por isso merecia a penitenciária.
Em Suzanne é possível ver comportamentos bem infantis e especiais, como as brincadeiras, dificuldade de saber em quem confiar, o apego a sua mãe, as alucinações, entre outros. Fica mais claro ainda a sua dificuldade de entender a realidade e as consequências de seus atos quando ela mesma fala com sua mãe sobre o caso do menino Dylan. "Mas eu não sabia. Eu não sabia que era sequestro. Só queria fazer amigos”, conta Suzanne e questiona, “você acha que eu mereço estar aqui presa por 15 anos?”
Apesar de ao longo da série não termos certeza da natureza do transtorno psicológico de Suzanne, fica claro, pelo comportamento e pelas diversas menções a ala psiquiátrica e ao uso de medicamentos, que a personagem tem necessidades especiais. Tendo isso em vista - a saúde mental de Suzanne e a falta de noção que ela tem de seus atos - será que a personagem realmente merecia ter recebido o julgamento que recebeu? Do ponto de vista ético, não. Se ética tem a ver com consciência e dicernimento, ou seja, capacidade de através da racionalidade escolher agir ou não, Suzanne com sua dificuldade de percepção da realidade não deveria ser responsabilizada pelo seu erro - ela não sabia que aquilo se configurava sequestro, não sabia que iria machucá-lo. Já do ponto de vista jurídico, ela cometeu um crime contra a vida de uma criança, mesmo que sem a intensão ou noção disso, e portanto, deve ser punida. No entanto, nada justifica as condições em que a personagem é submetida. O fato é que o judiciário falhou com Suzanne, sua condições precisavam ter sido consideradas e ela merecia estar em uma instituição que ajudasse com suas necessidades cognitivas.






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